AF 447: podia ter sido comigo mas não foi. E não é por falta de andar de avião. Ele era todos os meses ida e volta a Angola, ele era todas as semanas ida e volta a Dublin ele era todas as semanas ida e volta a Lisboa, ele foi Madrid, Paris, Munique, Goa, Mumbai, Orlando, San Diego, Miami, São Paulo, eu sei lá. E de cada vez que a gente sobe aquela escada sabe que faz parte de uma de duas estatísticas: a dos que caem ou a dos que não caem. Podia ter sido comigo mas não foi. Não deixa de ser estatística e por isso não me afectou.
O que me afectou, e muito, foi o que o psicanalista Luiz Alberto Py disse sobre isso e que eu passo a transcrever:
"O que a gente não teve não perde. Quando uma tragédia assim acontece, o que se perde é o prosseguimento, o futuro. E o futuro é virtual, uma expectativa de algo que damos como certo, mas não é. Não se perde o passado.Isso pode parecer meramente racional, e é, porque a emoção não se traduz. Não se perde alguém que existiu. O que se perde é uma expectativa. Isso não é consolo, mas pode ajudar a retomar a vida. Pensar não no que perdi, mas no que tive o previlégio de viver. O passado precisa de ser uma referencia para a gente se nutrir. E não para a gente se lamentar. Há várias formas de conviver com a saudade".
Ao longo da nossa vida, perdemos coisas e pessoas que tinham dentro de nós a expectativa de existirem para sempre. E só sentimos se lhes temos apego, se as temos como nossas, se temos a certeza da sua permanência como se fossemos proprietários da sua existência. E de repente acontece algo que destroi essa expectativa e sofremos por causa do apego que lhes temos. E é nesta altura que eu sinto que o Budismo tem respostas, quando diz que o "apego é a fonte de todo o sofrimento, e que a libertação desses apegos é o que permite que atinjamos efectivamente o estado de Buddha".
Não é facil. Tenho saudades dos meus filhos, tenho saudades dos meus pais, tenho saudades dos meus avós, tenho saudades dos meus amigos. Porque em algum momento tive a expectativa que a sua presença seria garantida e eterna (tanto quanto a vida e a memória o permitissem). E no entanto circunstâncias, acontecimentos, escolhas, decisões, tudo aquilo que no fundo fazemos (ou nos é feito) a cada momento e que constitui a VIDA, leva ao facto de que temos que conviver diariamente com a perda. De uma forma consciente, assumida. E foi por isso que aquele comentário me tocou tanto: "Pensar não no que perdi, mas no que tive o previlégio de viver. O passado precisa de ser uma referencia para a gente se nutrir. E não para a gente se lamentar. Há várias formas de conviver com a saudade".
Viver a vida plenamente, parece-me a mim, que é a melhor forma de honrar a saudade que sempre iremos ter. Eu sempre disse à Sky "Anda, vamos, temos a vida à nossa espera e ela não se faz sem nós..." Mas só hoje, que li aquele comentario, é que percebi o que eu queria dizer com isso.
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